Este comentário é uma reacção de perplexidade face à descrição do que tencionamos fazer: queimar, de quatro em quatro anos, três parcelas diferentes do baldio de Carvalhais, uma em cada ano, com um ano sem queima nenhuma.
Vale a pena tentar explicar a lógica do que estamos a fazer.
Comecemos por explicar duas coisas que são opções de fundo na nossa gestão:
1) a Montis parte sempre do princípio de que as áreas que gere vão arder. Na verdade, com excepção do baldio de Carvalhais, que teve dois fogos a parar nos limites, e da pequena área do Alentejo na Herdade do Freixo do Meio, em 2016 e 2017 arderam todas. O nosso pressuposto é o de que também o baldio de Carvalhais, que ardeu há coisa de dez anos, arderá um dia destes;
2) a Montis tem um modelo de gestão adaptativa, isto é, fazemos, vemos os resultados, avaliamos se estamos mais perto ou mais longe dos objectivos e redefinimos as acções seguintes, ou mesmo os objectivos, se nos parecer necessário. Esforçamo-nos por não fazer asneiras, mas não temos medo de cometer erros.
Isto significa, em primeiro lugar, que não arder não é, para nós, opção de gestão, a opção é entre arder na altura que queremos e da forma que queremos, ou arder descontroladamente num dia de condições meteorológicas extremas.
No caso do baldio de Carvalhais estamos perante uma das situações mais complicadas que poderíamos encontrar: um imenso giestal denso e alto, de muito difícil penetração e que impede, de facto, uma gestão eficiente da regeneração natural.
Sem intervenção o que se poderia esperar era fogo com intervalos de 10 a 15 anos, com progressiva recuperação dos sistemas naturais mais complexos muito retardada pela frequência e intensidade do fogo em giestal.
Por isso estabelecemos como prioridade, tendo em atenção os escassos meios de que a Montis dispõe, recuperar a vegetação das zonas de baixa, deixando a generalidade da área sem intervenção.
No entanto foi possível reunir meios para fazer um fogo controlado, cujo objectivo central foi criar oportunidades de gestão, isto é, termos queimado vinte hectares permitiu-nos entrar nessa área, escolher áreas de intervenção, procurar fazer retenção de sedimentos nas baixas e apoiar a pouquíssima regeneração de carvalho existente (a que se juntam alguns salgueirais nas linhas de água).
Porque há muito poucas fontes de bolota (e outras sementes), dada a esmagadora dominância da giesta, optámos por ir fazendo alguma sementeira directa na altura da bolota e porque nos pediram e pagaram, começámos a fazer algumas plantações.
Embora as plantações sejam a principal actividade dos voluntariados que temos feito nestas últimas semanas, a verdade é que é uma acção de gestão complementar, não é, para nós, uma acção de gestão nuclear.
Mas uma vez que as fazemos, é bom que as façamos de forma a que sejam úteis para os objectivos a atingir.
Por isso optámos por densidade elevadíssima de plantação (praticamente metro por metro) com o objectivo de criar ensombramento o mais rapidamente possível, como forma de controlo do desenvolvimento dos matos.
Mas há uma outra razão para fazer núcleos de elevada densidade: é que são mais facilmente defendidos do fogo controlado, não interferindo excessivamente em acções de gestão que, essas sim, são fundamentais.
Temos perfeita consciência de que os carvalhos com menos de quatro anos podem ser afectados pelo fogo controlado, mas também sabemos que os outros, mais crescidos, não são especialmente afectados pelo fogo controlado.
A opção poderia ser atrasar o fogo controlado, para dar algum tempo aos carvalhos, o que levanta problemas de acumulação de combustíveis, tornando o fogo controlado mais difícil, como se viu ontem.
Ou pode ser fazer fogos mais frequentes, avaliando as possibilidades de preservar manchas plantadas mas que ainda não têm capacidade para resistir ao fogo.
A opção de não usar o fogo à espera que as plantações tenham suficiente desenvolvimento é uma opção que na prática aumenta grandemente o risco de arderem as plantações em circunstâncias muito desfavoráveis, em dias de condições meteorológicas extremas, com intensidades de fogo muito, muito mais elevadas que as que conseguimos ter usando fogo controlado.
Note-se este giestal, depois do fogo de ontem, que está muito longe de ter sido completamente incinerado como poderia acontecer em situações extremas, pelo contrário, são visiveis ramos bastante finos, demonstrando que a intensidade de fogo foi muito moderada.
Repare-se aqui como é possível definir com clareza uma área a queimar, à direita da fotografia, e a área que não é queimada, à esquerda. Estas opções, com combustíveis de apenas quatro anos são bastante mais simples e baratas que com combustíveis acumulados durante dez anos.
Esta fotografia não demonstra que toda a vegetação foi morta pelo fogo, apenas mostra que as partes aéreas mais finas foram queimadas. Todo o resto, em plantas como os carvalhos, permanece vivo (há sempre mortalidade de alguns indivíduos), em especial o seu sistema radicular, e depois do fogo, e da disponibilização de nutrientes que é feita pela deposição das cinzas, há uma recuperação muito mais intensa.
Como entretanto o fogo nos abriu o espaço e nos permite gerir a área, teremos então quatro anos para apoiar o desenvolvimento das plantas que queremos favorecer, quer semeando, quer plantando, quer gerindo o seu desenvolvimento, por exemplo, subindo a copa para criar descontinuidade vertical de combustíveis, ou seja, temos quatro anos de gestão para preparar o fogo controlado seguinte.
Não, não vamos exactamente queimar o que plantámos, vamos queimar o que for possível para conseguirmos criar as melhores condições de gestão e de evolução das matas que queremos que contribuam para um mosaico mais rico e diverso que o imenso mar de giestas que hoje domina a propriedade.
Daqui a quatro anos pode haver núcleos que queremos preservar do fogo controlado e daqui a oito anos deixarmos o fogo entrar nesses núcleos, queimando combustíveis finos sem que haja afectação das árvores.
Com tudo isto esperamos aumentar de forma vincada a velocidade de recuperação dos sistemas naturais.
Ainda assim, antes do próximo fogo, avaliaremos o que está no terreno e logo veremos se esta visão que temos do futuro precisa de ser corrigida, porque não temos a pretensão de ter certezas sobre a imensa diversidade da natureza e da forma como se comporta e evolui.