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Quando a Montis comprou os seus primeiros terrenos, duas propriedades próximas que totalizam pouco mais de 5 hectares, o que tinha pela frente eram carvalhais em recuperação depois de um fogo e corte há quase dez anos, isto é, um mar de matos altos e densos no meio do qual havia carvalhos ainda novos, de pequeno porte, que pouco se distinguiam do mato que os abafava.
Tendo havido um fogo há cerca de dez anos, o que seria de esperar era um novo fogo, num horizonte de até cinco anos, mais coisa, menos coisa.
A opção da Montis, com os escassos recursos que tinha nessa altura (hoje continuam escassos, mas menos), foi preparar os terrenos para o fogo que víamos no horizonte: escolher alguns bosquetes onde os carvalhos estivessem mais presentes para limpar algum mato e puxar pelos carvalhos com algumas desramações, para além de garantir acessos, a nossa gestão era pouco mais que isso.
O objectivo era o de que se fossem criando condições para que o fogo seguinte afectasse menos estes bosquetes de carvalhos, aumentando a velocidade de recuperação pós-fogo, em mosaico, de modo a ganhar tempo para que o ensombramento fizesse o trabalho de controlar os matos, num futuro que se sabia não ser ao virar da esquina.
O fogo previsto chegou nas piores circunstâncias: 1) um fogo muitíssimo intenso; 2) um fogo já a 15 de Outubro, depois de um longo período de seca, que apanha os carvalhos com baixíssimo teor de humidade, provavelmente alguns já em pré-dormência, a preparar o Inverno; 3) um fogo que veio num intervalo de tempo demasiado curto para que as acções de gestão tivessem efeitos mais sólidos.
Nessa mesma altura estávamos a preparar a visita de um técnico para avaliar a realização de um fogo controlado em carvalhal, que nos parecia de difícil execução nas circunstâncias em que as propriedades estavam, mas ainda assim procurávamos opções de gestão que nos pareciam interessantes, mas que se tornaram inúteis com a ocorrência do fogo de 15 de Outubro.
Logo após fogo decidimos simplesmente esperar, sem ir a correr fazer intervenções de recuperação, achámos que estaríamos a usar recursos que nos fazem falta para obter um resultado que, provavelmente, se poderia obter sem fazer nada.

Pessoalmente devo dizer que a partir de certa altura as minhas dúvidas sobre esta opção foram começando a aumentar: semana após semana não parecia acontecer nada, nem erva no chão, nem sinais de rebentação nos carvalhos, até ontem, quando o Miguel Martins mandou estas fotografias.
Temos procurado, desde Outubro, tirar partido da oportunidade do terreno estar limpo para identificar estremas, cuidar de caminhos, conduzir água, enfim, tratar da “mercearia”, isto é, do que faz falta para apoiar a gestão futura. É um trabalho que não brilha, como se costuma dizer.
Dentro desse trabalho também está procurar e registar informação, quer recorrendo ao donativo de uma sócia para alimentação de emergência para a fauna e outras acções pontuais de recuperação, quer recorrendo à boa vontade da Universidade de Aveiro para colectar informação, nomeadamente sobre invertebrados, um grupo sempre mal estudado mas que, para além da sua importância ecológica e o seu peso nas cadeias tróficas, tem também a vantagem de ser um grupo que reage rapidamente a alterações do meio e, por isso, é um excelente bioindicador de curto prazo.
E foi na gestão dos transeptos associados a este trabalho que o Miguel acabou por fotografar os sinais que agora, depois da chuva, depois do calor e na altura do ano apropriada, começam, finalmente, a aparecer.

Como esperávamos, e na verdade, no que me diz respeito, já começava a desesperar, os carvalhos, não sabemos ainda em que percentagem, não estão mortos e começam agora a reagir.
Se nas próximas semanas se verificar que este é um processo generalizado, demonstrando que a parte aérea pode ter sido muito afectada, mas há enormes raízes vivas a bombar nutrientes para refazer as copas, quer  os gomos de renovo estejam mais no cimo, o que significa menor afectação da árvore, quer estejam, como estes, junto ao solo, então ganhámos anos em relação à eventual plantação de novas árvores, e o que vai ser preciso é ter mais alguma paciência, esperar por mais algum desenvolvimento deste renovo, para depois começar a escolher as melhores varas.
Temos oito a quinze anos até ao próximo fogo, vamos manter as estremas em condições para facilitar a eventual ancoragem de fogos controlados, e com certeza seremos capazes, nesse tempo, de contribuir para um carvalhal que conviva melhor com o regime de fogo que temos, esperando-se que dentro de quatro a cinco anos, partindo destes sistemas radiculares instalados e de renovo bem conduzido, tenhamos zonas de sombra suficientemente profunda para controlar os matos e retirar combustíveis ao fogo seguinte, permitindo uma menor afectação dos carvalhos.
Às vezes o mais difícil é mesmo resistir à tentação de intervir quando tudo parece desesperantemente adormecido ou, pelo menos, a evoluir mais lentamente do que gostaríamos.
Gerir com os processos naturais é também aprender a respeitar os seus ritmos e a dar tempo ao tempo.

henrique pereira dos santos